"Não podemos fazer
intervenção só do lado de fora, nas ruas; precisamos intervir também dentro das
polícias". A frase foi dita neste sábado por uma das autoridades federais
que participaram de uma reunião no Palácio Guanabara sobre a missão que as
Forças Armadas terão no Rio. Segundo ela, durante o encontro, o presidente
Michel Temer e o novo responsável pela segurança do estado, general Walter
Braga Netto, deixaram claro que o combate à corrupção se tornou uma prioridade,
algo tão importante quanto a presença ostensiva do Exército em áreas
conflagradas.
Passada a reunião, autoridades
se preparam para tentar aplicar o que é considerada a parte mais difícil da
intervenção federal na segurança pública do Rio, decretada por Temer na
sexta-feira: um modelo de ação que permita a realização do que chamam de
"limpeza" nas polícias Militar e Civil do estado. Existe a
possibilidade de o presidente assinar um decreto suplementar nos próximos dias,
detalhando o poder de atuação de Braga Netto. Isso é uma reivindicação de
oficiais, que querem garantir carta branca para o general tomar todas as
decisões que julgar necessárias.
Fontes do Planalto disseram
que, para Temer, está claro que é preciso reestruturar as polícias do Rio. No
entanto, o governo vem tendo muito cuidado ao tratar do tema, para não causar
reações dentro das corporações. Na avaliação da cúpula da intervenção, ou se
muda a forma de atuação das forças do Rio ou a violência explodirá assim que os
militares deixarem o estado, o que está previsto para acontecer no dia 31 de
dezembro deste ano.
— Vamos reestruturar as
polícias do Rio. Temos que fazer isso agora, ou tudo voltará. Não adianta só
colocarmos os militares nas ruas — afirmou um integrante do governo federal.
De acordo com a mesma fonte, o
Planalto já tem um diagnóstico da corrupção dentro das polícias Civil e
Militar. Relatórios de serviços de inteligência foram elaborados no ano
passado.
Como interventor, Braga Netto,
responsável pelo Comando Militar do Leste, passou a ter autoridade plena sobre
a segurança do estado. O oficial pode mexer em todos os escalões das polícias,
do Corpo de Bombeiros e da administração penitenciária. Ele ainda não anunciou
mudanças, mas o secretário de Segurança, Roberto Sá, já colocou o cargo à
disposição. O general tem ainda autoridade para trocar comandantes de batalhões
e delegados.
Neste sábado, coube ao
presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), verbalizar a necessidade
dessas mudanças:
— Precisamos começar um
processo de recuperação da área (de segurança pública). Temos uma boa
oportunidade para reorganizar e requalificar a polícia, de separar aquela parte
que não tem atuado de forma correta.
Ao que tudo indica, tirar a
chamada banda podre das polícias será uma missão difícil para Braga Netto.
Falta, no estado, uma estrutura mais eficaz para a investigação de casos de
desvios de conduta. Levantamento obtido pelo GLOBO mostra que, de janeiro a
outubro do ano passado, nenhum caso de corrupção ativa de PM chegou à comarca
da capital fluminense da Auditoria da Justiça Militar. Em 2015, foram
registrados três; em 2016, um. Ainda no ano passado, a Auditoria da Justiça
Militar registrou apenas três casos de extorsão, contra quatro no ano anterior
e sete em 2015.
De acordo com a Corregedoria
Geral Unificada, órgão vinculado à Secretaria de Segurança, nos últimos dez
anos, 373 policiais civis e militares foram exonerados, número considerado
pequeno por quem acompanha casos de abusos de autoridade ou desvios de conduta.
O sociólogo Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da
Uerj, enfatiza a importância de um “olhar externo” para a conduta dos agentes
do estado. Ele defende a criação de uma força-tarefa com esse propósito, mas
não acredita que a intervenção federal consiga promover uma “limpeza”:
— É sempre um ponto central de
qualquer política de segurança a necessidade de tirar os policiais que cometem
abusos. Isso realmente precisa ser uma prioridade. Mas é uma ideia ingênua
achar que só o Exército poderá tirar os maus policiais das ruas. Precisamos,
sim, de uma olhar externo, mas também de uma colaboração ativa das próprias
polícias. Uma força-tarefa formada por várias entidades poderia ser a solução.
Vale lembrar que vários núcleos do crime organizado do Rio foram desarticulados
pela Polícia Federal. Ou seja, o ideal é que haja troca de informações entre
diferentes forças.
As ações dos militares que
participarão da intervenção federal serão acompanhadas por um observatório,
formado por deputados e técnicos, informou ontem Rodrigo Maia. Segundo o
presidente da Câmara, haverá uma constante verificação dos índices de violência
nas áreas de atuação das tropas. Ele disse ainda que a deputada Laura Carneiro
(PMDB-RJ) será a relatora do decreto presidencial que passa para as Forças
Armadas a responsabilidade pela segurança pública do Rio. A votação está
marcada para amanhã, às 19h. O texto não pode receber emendas, e, se for
aprovado, seguirá para avaliação do Senado, que poderá levá-lo ao plenário na
quarta-feira.
Também ontem, muitos cariocas
acordaram com a impressão de que a intervenção federal já tinha tomado as ruas.
Soldados e veículos blindados ocuparam pontos estratégicos na região do Centro
e em parte da Zona Sul, mas o motivo era outro: garantir a segurança dos
deslocamentos do presidente Michel Temer e sua comitiva.
Fonte: Jornal Extra
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