Na vida
militar temos duas certezas: a de que um dia vamos morrer e a de que um dia
vamos para a reserva. Mas, para
a grande maioria, da ativa, nos parece não acreditarem que essas duas certezas
vão atingí-los.
Essa
ilusão começa nas escolas, onde o processo seletivo desperta em cada um o
espírito de sobrevivência. Cada indivíduo, acreditando estar só, pouco se
preocupa com o outro.E, se o outro foi reprovado, foi eliminado, ou será
desligado, isso não poderá atingí-lo.
É uma
etapa de cada um por si, da busca pela sobrevivência no sistema e assim, fica
somente Deus olhando por todos.
Isso irá
refletir lá na frente, nos cursos, nas promoções e também na passagem para a
reserva.
Quando
deixam a ativa, aqueles que ficam passam a ver os que se foram de uma forma bem
diferente, e esses passam a ser aqueles velhinhos ultrapassados, que ficam
querendo ver o passado retornar, que ficam pensando que no seu tempo era melhor
, que só eles têm soluções para melhorar todos os problemas atuais e que em seu
tempo de caserna não foi possível resolver.
Aí começa
então a discriminação para com aqueles que legaram à Força muito do seu
esforço, do seu conhecimento, da sua capacidade e dos seus momentos que seriam
para o lazer. Surge então a intolerância.
É que
esses velhinhos nunca são chamados, atualizados ou reciclados, e, apesar de
serem reservistas, nem sempre são sequer lembrados.
Pelo
contrário, para entrar nos quartéis já não lhes basta a identidade funcional.
Têm que
assinar listas de entrada e saída, têm que apresentar certificados de
habilitação, têm que colocar crachás.
Mesmo
quando identificados, já não recebem os devidos comprimentos e até parece que,
ao passarem para a reserva, perderam as suas patentes ou graduações.
Os da
ativa já não cultuam o passado.
Em algumas
unidades, para adentrarem as instalações até necessitam ser acompanhados.
E, para
esses esquecidos não adianta terem sido preparados previamente, pois, a cada
ato desses, aumenta cada vez mais a vontade de não mais voltarem aos quartéis.
O que antes era uma satisfação, se transforma em uma obrigação e em uma
chateação.
Quando
antes tínham a alegria de voltar; de relembrar; de se atualizar; de matar a
saudade dos velhos tempos; de ouvirem os hinos, a corneta e os sons da ordem
unida; nesse instante passam a sentir na pele que não mais pertencem a esse
mundo.
Deixou de
existir aquele tempo em que foram militares, tamanhas as barreiras que estão
lhes sendo impostas.
Para falar
com colegas que eram mais modernos, e hoje são mais antigos, aí então é uma
dificuldade.
Normalmente,
para alguns da reserva, são efetuados convites para as solenidades, para outros
não.
Para
alguns, há lugares de destaque, para outros, por mais que se dedicaram e se
esforçaram pela Força, não há espaço.
Normalmente,
os da reserva adentram as unidades a procura de apoio médico, buscando serviços
odontológicos e até para sanarem dúvidas relativas aos numerários, ou para as
apresentações anuais.
Essas,
agora já não são feitas dentro dos quartéis. As seções foram” de forma
premeditada” colocadas fora dos quartéis. A nosso ver, mais uma forma de
afastar da caserna aqueles que um dia a ela pertenceram.
Sendo
assim, não é a passagem para a reserva ou a aposentadoria que provocam mudanças
drásticas nos indivíduos.
Muitos
continuam em atividade, conquistam novos amigos, aprendem novas profissões e se
inserem em novos grupos sociais e até em novo estilo de vida. Mas é na caserna
que está o seu alicerce, o seu porto seguro, a sua base.
Mas são
esses novos conceitos e formas de tratamento dos “tempos de mudanças” que
desequilibram os indivíduos.
Aquela
sociedade que lhes dava total segurança, agora os discrimina.Isso os
desequilibra, tira-lhes o chão, desarticula o seu vínculo com o passado e ,não
só os diferencia, mas apaga o passado e entristece.
Os
reservistas nunca vão se anular como sujeitos, nem vão perder os valores
aprendidos, mas vão se sentir desprestigiados, principalmente com aqueles atos
de seu grupo social que ora lhes vira as costas, que não reconhece o seu
esforço de anos e anos despedidos para a organização, e porque não para o
próprio grupo.
O
despertar para um amanhã onde o passado não mais existe é o verdadeiro fator de
desequilíbrio.
O futuro
também é uma incógnita. Nesse Brasil, onde assistimos desonestos serem
absolvidos, onde não se precisa mais trabalhar para auferir ganhos , onde a
dedicação não é mais fator de estabilidade e não há reconhecimento daqueles que
nos precederam, o futuro é sempre incerto.
Aí sim,
vêm à tona que a reserva é uma passagem que necessita ser pensada, estudada e
reformulada.
Temos que
preparar certamente aqueles que estão na ativa para a tratativa daqueles que
estão na reserva, pois a manutenção do “status quo” é uma dúvida e hoje nem
sempre o trabalho dignifica o homem.
Será que a
frase “Hommine lupos homine” não se aplicaria melhor?
Carlos Conrado Pinto Coelho
Coronel Aviador da Reserva
FONTE: www.averdadesufocada.com
Um comentário:
infelizmente esta é a realidade que nós da RR ou Refo. vivemos. Este relato deveria chegar ao conhecimento dos atuais Cmtes, para quem sabe, desperte neles um espírito mais humano para com aqueles que deram e dão sustentacão para eles estarem onde estão.
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