Publicado em 14/05/2020 / Por Antonio Hamilton Martins Mourão
A esta altura está claro que a
pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde: por seu alcance, sempre foi
social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e por suas consequências
pode vir a ser de segurança. A crise que ela causou nunca foi, nem poderia ser,
questão afeta exclusivamente a um ministério, a um Poder, a um nível de
administração ou a uma classe profissional. É política na medida em que afeta
toda a sociedade e esta, enquanto politicamente organizada, só pode enfrentá-la
pela ação do Estado.
Para esse mal nenhum país do
mundo tem solução imediata, cada qual procura enfrentá-lo de acordo com a sua
realidade. Mas nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um
estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da
insensatez, está levando o País ao caos e pode ser resumido em quatro pontos.
O primeiro é a polarização que
tomou conta de nossa sociedade, outra praga destes dias que tem muitos lados,
pois se radicaliza por tudo, a começar pela opinião, que no Brasil corre o
risco de ser judicializada, sempre pelo mesmo viés. Tornamo-nos assim incapazes
do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e
debater. A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus
procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e
favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia,
enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais
veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se
o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.
O segundo ponto é a degradação
do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável,
governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma
confederação, mas uma federação, a forma de organização política criada pelos
EUA em que o governo central não é um agente dos Estados que a constituem, é
parte de um sistema federal que se estende por toda a União.
Em O Federalista – a famosa
coletânea de artigos que ajudou a convencer quase todos os delegados da
convenção federal a assinarem a Constituição norte-americana em 17 de setembro
de 1787 –, John Jay, um de seus autores, mostrou como a “administração, os
conselhos políticos e as decisões judiciais do governo nacional serão mais
sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados isoladamente”,
simplesmente por que esse sistema permite somar esforços e concentrar os
talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz.
O terceiro ponto é a usurpação
das prerrogativas do Poder Executivo. A esse respeito, no mesmo Federalista
outro de seus autores, James Madison, estabeleceu “como fundamentos básicos que
o Legislativo, o Executivo e o Judiciário devem ser separados e distintos, de
tal modo que ninguém possa exercer os poderes de mais de um deles ao mesmo
tempo”, uma regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de
presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de
procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam
exercê-la.
Na obra brasileira que pode
ser considerada equivalente ao Federalista, Amaro Cavalcanti (Regime Federativo
e a República Brasileira, 1899), que foi ministro de Interior e ministro do
Supremo Tribunal Federal, afirmou, apenas dez anos depois da Proclamação da
República, que “muitos Estados da Federação, ou não compreenderam bem o seu
papel neste regime político, ou, então, têm procedido sem bastante boa fé”,
algo que vem custando caro ao País.
O quarto ponto é o prejuízo à
imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades
que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se
sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo
democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer
apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos demais na
destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma acusação
leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do governo
para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que
desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.
Esses pontos resumem uma
situação grave, mas não insuperável, desde que haja um mínimo de sensibilidade
das mais altas autoridades do País.
Pela maneira desordenada como
foram decretadas as medidas de isolamento social, a economia do País está
paralisada, a ameaça de desorganização do sistema produtivo é real e as maiores
quedas nas exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da
indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram
riqueza. Sem falar na catástrofe do desemprego que está no horizonte.
Enquanto os países mais
importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes,
de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a
estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo.
Há tempo para reverter o
desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das
autoridades legalmente constituídas.
* VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
(Publicado em OESP em 14 de
maio de 2020)
Fonte: Governo Federal
Foto: httpswww.facebook.comVPRHamiltonMouraophotosa.100687717950268100688507950189type=3&theater)
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